segunda-feira, 22 de maio de 2017

BIDU SAYÃO,MEU GRANDE MOMENTO JORNALÍSTICO.



Ainda criança, acordava ouvindo meu pai tocando piano.Assim, comecei a gostar das músicas clássicas que acabaram formando a minha personalidade artística. 

Da mesma forma, ouvia rádio, desde aquele tempo, encantando-me com obras antológicas de Ari Barroso, Lamartine Babo, Pixinguinha,Noel Rosa, Lupicínio Rodrigues ou Dorival Caiyme, dentre tantos. Sucessos emoldurados por vozes inesquecíveis.No desfile, Orlando Silva, Nelson Gonçalves,Dalva de Oliveira,Francisco Alves,Carmen Miranda,Aracy de Almeida, enfim, a gama que expressa toda cultura brasileira,de ricas e eternas canções... 

Inspirado pelo meu próprio pai, talvez  ortodoxo  demais, o melhor seria ouvir Chopin, Liszt, Beethoven, Verdi, Puccini que, segundo ele, tais autores representam  a quintessência musical da humanidade. Não raramente, falava-se na minha casa da cantora brasileira que alçava definitiva carreira nos Estados Unidos. Ou, a "maior soprano pátria",empreendendo os principais papéis dos mais  célebre títulos do gênero lírico, no Metropolitan Opera House, de New York. 

Através das revistas como "Brasil Musical", -ainda quase analfabeto- via figuras que me fascinavam. Dentre elas, não raramente,da aludida cantora que, ao lado da Carmen Miranda, representava orgulho nacional.Só poderia ser Bidu Sayão que, para mim, era atriz em Hollywood, tal a sua beleza!
            E, assim, a vida foi passando, até que comecei a entender que indo ao cinema, jamais veria um filme sequer com ela, por óbvias razões... Mas, se me fosse possível assistir a uma ópera, seguramente a veria no palco. Comecei a ouvir suas gravações, pouco ou nada entendendo  do que cantava. Minha irmã que já ostentava um bom princípio de carreira, muito contribuiu para  a minha formação. Refiro-me à Maria Helena Buzelin que tanto recebeu de Bidu Sayão incentivos, nos Estados Unidos.

A esse tempo, eu já peregrinava pelos jornais, tentando escrever sobre música erudita. Foi, então, que alcancei o maior troféu da minha vida que foi entrevistar "La Sayão", cuja reportagem repercutiu positivamente em torno do meu nome.Encontrei-a bastante idosa, porém com incrível jovialidade,quando me recebeu no saguão do Hotel Glória, no Rio de Janeiro. Acompanhada por duas senhoras, pude visualizá-la saindo do elevador, sustentada por um bengalinha vermelha, muito bonitinha, vestida com a camisa da Escola de Samba "Beija Flor" de Nilópolis.Sem nenhuma restrição, desceu do seu pódio estelar,  logo esboçando um sorriso, olhando de maneira sincera, para mim. E perguntou-me: 

-" É você o moço que quer falar comigo?" 

Meio eufórico, numa emoção jamais vivenciada, respondi que sim. Que ali estava como repórter.Ela, então, derivando de tal propósito, logo indagou-me como seria possível ir ao Corcovado para "beijar os pés do Cristo".  Achei engraçada a pretensão, logo me apercebendo que jamais teria ido lá. Simplesmente, por não imaginar o tamanho da  daquela imagem! Olhou ao longe e perguntou:" o que foi feito do mar da praia do Flamengo que tanto frequentei para nadar?", desconhecendo o aterro Sta.Luzia. Falou-me em bom português,sem qualquer sotaque, ainda que estivesse por quase sessenta anos radicada em "Nivi Iorque"( como ela pronunciava, sem nenhuma sofisticação).

Ao me perguntar de onde eu era,logo indagou: "...Belorizonte? Eu e Guiomar Novais fomos lá e demos um concerto no Instituto de Educação. Nunca me esquecerei da sua cidade. Fomos muito aplaudidas. Você esteve lá?" Achei, no mínimo engraçada aquela indagação, porque o evento ocorreu , salvo engano em 1926! Sou idoso, mas, nem tanto... Mas, diante de tanta ternura, confirmei a minha presença e ela ficou espantada,olhando para mim dizendo que não poderia ser verdade. Nada menos que um elogio para mim...

Antes deste encontro, eu já havia enviado para ela, em l992, um retrato que pintei do seu rosto, sem jamais esperar uma resposta. Eis que, para minha eterna satisfação, recebi a cartinha que me escreveu num tosco pedaço de papel.A mais nobre correspondência jamais endereçada a este  pobre marquês, em que ela se despede dizendo ser minha admiradora. Só mesmo Bidu Sayão, pela grandeza  que enseja, tão singela e generosa,ainda que sincera como sempre se mostrou ser,  traria de tão longe a mais comovedora homenagem que recebi em toda minha vida. Ah! como valeu tudo o que empreendi, ao longo  de uma atividade que escolhi por amor à cultura. Bom esclarecer que a minha formação acadêmica e profissional é de economista e advogado. Que ironia!!!Justamente neste Brasil de tamanha corrupção de políticos destituídos de sentimento patriótico,com desgastada economia e perda do estado de direito , a  meu ver jurídico, valho-me da memória de um dia, ter conhecido Bidu Sayão , voz de cristal, nunca superada até então!

          Bidu Sayão foi destaque no Carnaval Carioca, numa homenagem que contou, ainda, com a participação da nossa grande Maria Lúcia Godoy, na passarela do Sambódromo, cantando "Bachiana n.5,  de Villa-Lobos, em l995,  pela escola de samba mencionada no texto.Entusiasmada,Bidu Sayão olhou bem fixo para mim e disse: " agora sou do samba.A ópera já é passado".

Diante de tudo isto, concluí que a simplicidade é, deveras, peculiar aos que pisam as estrelas, sem jamais perder os pés que caminham pela terra,  ornamentando  sua trajetória e  toda humanidade.






Um comentário:

  1. Fotografias tiradas em 1995 na porta do Hotel Glória, do Rio de Janeiro, RJ. E a carta, de 1992.

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